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No Pan de Jiu-Jitsu 2006, GRACIEMAG testemunhou a consagração de alguns monstros, como Demian Maia, Bráulio Carcará, Rolles Gracie, André Galvão e Bibiano Fernandes. E relatou o nascimento de uma das grandes rivalidades do Jiu-Jitsu atual, entre Roger Gracie e Xande Ribeiro. Na reportagem, os irmãos Ribeiro analisam o jogo de Roger e lançam a estratégia para derrotá-lo. Na categoria superpesado, o plano dá certo. No absoluto, Xande bate. (Se ainda não se inscreveu para o Pan 2010, registre-se aqui!)
Havia um nítido desconforto no semblante de Roger Gracie no momento em que ele subiu ao pódio para receber a medalha de prata da categoria superpesado (faixa-preta adulto) no último dia do Pan de Jiu-Jitsu 2006, realizado no ginásio da Universidade Dominguez Hills, na Califórnia, Estados Unidos, de 7 a 9 de abril.
Disputada apenas por três lutadores – Alexandre Ribeiro, Diego Balouta e o próprio Roger, que tinha ficado de baia na chave, estreando já na final –, a categoria superpesado podia ser resumida da seguinte forma: Depois de finalizar Balouta com uma kimura, Xande enfrentou Roger, esbanjando sangue frio e senso estratégico de um campeão de xadrez que sabe esconder a rainha sem que para isso tenha que colocar um peão sequer em risco.
Reparamos que havia brechas no judô do Roger” Saulo Ribeiro
A decisão transcorreu a maior parte do tempo com os dois atletas em pé, trocando pegadas, até que o irmão de Saulo Ribeiro ganhou uma vantagem após uma tentativa de queda: “Foi um movimento de wrestling, chamado duck-under”, explicaria Xande, dias depois. Atrás no placar, Roger não revidou ao ataque de imediato, deixando o tempo correr além da conta, para desespero da torcida da Gracie Barra, que aos berros alertava sobre o comportamento do cronômetro.
Quando restavam cerca de três minutos para o fim do combate, Roger puxou o rival para a guarda e Xande se adiantou ao movimento, colocando o joelho direito à frente, forçando a passagem. A posição era propícia para que Roger tentasse aplicar uma de suas recorrentes raspagens (numa situação semelhante, o Gracie havia raspado Ronaldo Jacaré na final do Europeu 2005), mas o golpe não veio e Xande chegou à meia-guarda, computando assim outra vantagem a seu favor.
A luta voltaria em pé novamente, Roger tentaria puxar o rival mais uma vez para a guarda, porém restavam apenas alguns segundos para o fim. Ao som do apito, vibração de Saulo, que debruçado à grade em torno da área de luta, parabenizava o irmão por realizar com rigor a estratégia que haviam elaborado juntos, munidos de um controle remoto e de olhos atentos à TV do apartamento onde moram em Ohio, EUA, onde era exibido sem descanso um DVD com as lutas de Roger no Mundial de Jiu-Jitsu do ano passado.
“Reparamos que havia brechas no judô do Roger. Em função disso, aperfeiçoamos a forma como o Xande se movimentaria durante a troca de pegadas, forçando o Roger a ficar por baixo se a luta fosse ao chão”, explicou Saulo, que nos bastidores do Pan vinha garantindo que dificilmente seu irmão seria derrotado pelo Gracie. Sua previsão se confirmava, ao menos até aquele momento da competição.
Daí aquele desconforto no semblante de Roger ao receber a medalha de prata. O lutador estava engasgado com a derrota. Por sinal, sua quarta na faixa-preta – uma para Márcio Pé de Pano, no Mundial 2003, e duas para Ronaldo Jacaré, nos Mundiais 2004 e 2005.
Logo após descer do pódio, tirou a premiação do pescoço como se tivesse alergia a ela. O único metal que parece satisfazer o Gracie é o ouro, e atrás dele (e de Xande também) Roger disputaria o absoluto da faixa-preta minutos depois, na noite fria daquele domingo californiano.
O absoluto Já que o Pan aconteceu a alguns quilômetros de Hollywood, cabe dizer que a campanha de Roger na “categoria sem limite de peso” teve requintes cinematográficos, com um roteiro mais ou menos assim:
Cena 1: O lutador de porte esguio, cabelos despenteados e queixo em forma de U finaliza todos os seus três adversários até a final: Thiago Gaia e Vinicius Magalhães, o Pezão (campeão absoluto na faixa-marrom do último Mundial), dão três tapinhas, vítimas de estrangulamentos pelas costas. Já Rafael Lovato pede pra parar, tendo o braço esticado num armlock.
Cena 2: No intervalo de suas lutas, Roger senta de pernas cruzadas nas bordas das áreas de luta e observa o que acontece do lado oposto da chave, onde outro astro da competição também avança. Dono de um já folclórico sotaque do Norte do Brasil, cabelo raspado e musculatura arrojada, Xande finaliza Jorge Vidal com uma Ezequiel e derrota os duríssimos Demian Maia (por vantagens) e Bráulio Estima, o Carcará, (por 4 pontos a 2). Com isso, às 23h25, chega o momento da claquete indicar o início da Cena 3, o que corresponde ao grand finale da edição 2006 desse filme de drama, aventura e muita ação que sempre é o Pan-Americano de Jiu-Jitsu.
Durante os segundos iniciais da decisão, Roger e Xande trocam pegadas em pé, exatamente como fizeram na disputa do super pesado. O ginásio se cala e o silêncio se prolonga até o árbitro de cadeira Márcio Feitosa cometer um ato falho: “Deixa ele fugir não!”, grita Marcinho, alertando Roger, seu correligionário da Gracie Barra. Todos levam a quebra de protocolo na esportiva, inclusive o irmão de Xande, Saulo Ribeiro, que sorri para Feitosa enquanto este pede desculpas com seu jeito gaiato. De certa forma, o grito de Marcinho ajuda a relaxar um pouco os nervos da torcida, que mesmo assim continuam à flor da pele.
A troca de pegadas em pé se prolonga até o cronômetro ultrapassar a marca de 2 minutos, quando Roger coloca um pé na virilha de Xande, como se fosse puxá-lo para guarda, mas o movimento parece ser mais amplo que isso. Em certa altura as pernas de Roger podem enroscar o braço esquerdo de Xande (ainda em pé) numa chave omoplata, afinal o braço direito do irmão de Saulo fica exageradamente por fora da guarda do Gracie, enquanto o outro braço está por dentro. Fração de milésimos depois (Xande já de joelhos), o que era uma “puxada para guarda com jeito de omoplata” se revela um bote fulminante para o triângulo.
“Veio, o que é que o meu braço direito está fazendo ali?”, perguntaria-se Xande, dias depois, ao ver a imagem do golpe pelo visor digital da máquina fotográfica da equipe de reportagem da GRACIE Magazine. “Foi displicência… Eu pisquei o olho e o Roger me pegou”, completaria. Fim de luta. Roger levanta os dois braços para o alto, mãos abertas sacolejando no ar (sua típica forma de comemorar) e vai receber os abraços da turma do gradil. O árbitro Márcio Feitosa volta a ser torcedor e bate palmas. Saulo Ribeiro acena para Roger, parabenizando-o.
“Na primeira luta errei na estratégia, mas a verdade é que eu estava frio. Isso é o que realmente mudou da primeira para a minha segunda luta contra o Xande. Na segunda eu estava quente”, diz Roger, agora com nítida satisfação no semblante, minutos antes de subir ao pódio do absoluto. A poucos metros da área de premiação, Saulo Ribeiro explica o motivo de seu irmão ter sido finalizado: “A diferença da primeira para a segunda luta é que o Xande passou por um Demian Maia e por um Carcará pelo caminho. Não tiro o mérito do Roger, mas o Xande estava cansado, o que gerou aquele momento de displicência. Agora é continuar trabalhando pesado para ver quem vai ganhar no Mundial”.
***
Pesadíssimo Professor da academia do primo Renzo Gracie, em Nova York, Rolles viajou para Califórnia reclamando de dores no joelho, o que, todavia, não o fez desistir de disputar o Pan, evento em que não competia há anos. Começou finalizando James Foster com um estrangulamento pelas costas, para em seguida, já na final, enfrentar Arthur César, que vinha de vitória sobre Fabio Costa. A decisão teve um momento curioso, no qual o sistema de três árbitros (que antes era um experimento, mas a partir deste Pan se torna uma realidade nos eventos da IBJJF) foi posto à prova. Rolles aplicou bela queda em César, vencia por 2 a 0, quando foi ao chão num movimento que para uns parecia ser queda, para outros, uma puxada para guarda. Dois árbitros consideraram que o movimento não valeria pontos e assim Rolles administrou a vantagem a seu favor até o final, sagrando-se campeão.
Pesado Às vésperas de sua participação no Pan 2006, Bráulio Estima, o Carcará (o apelido se refere à águia do sertão brasileiro), foi flagrado assistindo a DVDs das lutas de Eduardo Telles, da TT Jiu-Jitsu, seu provável adversário na categoria pesado. “Esse Telles tá com um joguinho chato pra caramba”, explicou o craque, que venceu Carlos Eduardo Francis, da academia Yamasaki, antes de enfrentar o já aguardado sócio de Fernando Tererê na final. Telles vinha de uma vitória (de pontuação polêmica) sobre Rafael Lovato (Saulo Ribeiro), mas seu jogo, cada vez mais elástico e rasteiro, esbarrou num Bráulio não só estudado, como também aguerrido. Carcará venceu com um armlock.
Meio-pesado Em busca de um título que ainda não tinha em sua coleção, Demian Maia botou em prática seu Jiu-Jitsu calmo e eficiente para derrotar Paulo Gazze Junior e Rômulo Barral antes de enfrentar o boa-praça Givanildo Santana na final do meio-pesado. Giva tinha derrotado Filipe Oliveira e David Vieira. O clássico das academias de São Paulo (Brasa versus Lotus Club) foi definido por pontos. Demian aplicou uma raspagem e Givanildo respondeu com uma queda. O companheiro de Leozinho passou então a guarda adversária e estabilizou a posição por um tempo. Givanildo conseguiria sair dali e ainda arriscar outro movimento de queda, mas o cronômetro estava a favor de Demian. No final, a Brasa levou a melhor.
Médio Destaque entre os lutadores mais temidos da atualidade, André Galvão havia disputado um desafio de Jiu-Jitsu no evento paulista Show Fight, na noite do dia 6 de abril. Vitorioso em tal combate, o faixa-preta da TT Jiu-Jitsu pegou imediatamente um vôo para a Califórnia e não houve cansaço que o impedisse de brilhar no Pan-Americano, no domingo, dia 9. Começou finalizando Alexandre Crispim (estrangulamento pelas costas). Depois derrotou Sérgio Lourenço por pontos, chegando à final contra Michael Fowler, da academia Lloyd Irvin, que vinha de boas atuações contra Jorge Vidal e Igor Gracie, mas bateu num estrangulamento do pupilo de Tererê.
Leve Conhecido nos bastidores do Pan como “Lenny Kravitz”, vide a cabeleira em estilo black-power, Tiago Alves foi um dos grandes nomes do campeonato. Personal trainer em São Paulo, o faixa-preta vem mostrando muito preparado – não só físico, mas também técnico – desde o último Mundial, quando foi vice em sua categoria: “Infelizmente um erro do árbitro me prejudicou naquela final”. Desta vez, no entanto, sua atuação foi à prova de falhas. Venceu Marcus Cacella, Rafael Monteiro, Theodoro Almeida até chegar à final e cometer um sacrilégio: pela primeira vez na faixa-preta Mário Reis foi finalizado. “Ele se contundiu na primeira luta [contra João Silva], estava com o pé machucado, mas eu disse para o Mário no meio do confronto: ‘Não vou atacar o seu pé’”. Dito e feito. Reis bateu com um estrangulamento.
Pena “Subi de peso para ver qual é. Quero novos desafios”, explicou Bibiano Fernandes, intrépido faixa-preta, que costuma vencer quase todos os seus combates na categoria pluma, com movimentações ultra-rápidas (que lhe renderam o apelido de “The Flash”) e finalizações logo nos instantes iniciais dos combates. Parecia que entre os penas nada iria mudar, vide a forma fulminante com que Bibi fez David Jacobs e Wilson Reis darem três tapinhas. Mas na final contra o duro Jonatas Gurgel (foto acima), Bibiano passou dificuldades, sofrendo um prolongado estrangulamento pelas costas. Se todos sabiam que o The Flash tinha bons ataques, ficou provado que sua defesa também é afiada. Bibiano se desprendeu do estrangulamento e venceu por 2 a 0 (raspagem).
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